Na última segunda-feira, 27 de janeiro, um dos filmes mais icônicos do cinema americano completou 30 anos. Trata-se de “Antes do Amanhecer” (Before Sunrise), que fez sua estreia nos cinemas em 1995.
Dirigido por Richard Linklater e estrelado por Ethan Hawke e Julie Delpy, o filme adquiriu o status de “cult” (um termo que, confesso, não gosto) e se tornou marco no gênero de romances cinematográficos, conquistando fãs em diferentes gerações e inspirando reflexões sobre amor, tempo e conexão humana.
“Antes do Amanhecer” narra o encontro entre Jesse (Hawke), um jovem americano, e Céline (Delpy), uma estudante francesa. Os dois têm 20 e poucos anos e se conhecem, fortuitamente, em um trem rumo a Viena, enquanto liam na cabine. Movidos por uma atração mútua e a curiosidade sobre o outro, decidem descer na cidade austríaca para passar uma noite caminhando, conversando e explorando o lugar.
Não há grandes eventos ou reviravoltas no enredo, mas o filme brilha exatamente por sua simplicidade e profundidade.
Marco no cinema independente
Antes do Amanhecer nasceu da sensibilidade de Richard Linklater, conhecido por seu trabalho em “Jovens, Loucos e Rebeldes” (Dazed and Confused). Inspirado por uma experiência pessoal do diretor — um encontro casual com uma jovem em uma noite de 1989 na Filadélfia —, o filme é uma homenagem à espontaneidade das relações humanas.
“Eu estava andando com Amy [a mulher que ajudou a inspirar a história] na Filadélfia por uma noite inteira. Nós nos sentimos atraídos um pelo outro e eu estava pensando: “Caramba, isso é um filme”. Eu queria fazer um filme sobre um sentimento mínimo. Você consegue entender esse tipo de coisa? Duas pessoas se encontrando e tendo uma conexão? No gênero romance, isso geralmente é apenas o começo e então a história começa e eles vão para a cama bem rápido”, conta Linklater em entrevista ao portal huck.
O diretor, no entanto, diz que não gostava desse tipo de evolução nos filmes românticos: “Eu era contra isso. O primeiro beijo é algo importante. Leva muito tempo para chegar lá, como acontece frequentemente na vida real”.
“Antes do Amanhecer”: aposta difícil
Na época de seu lançamento, “Antes do Amanhecer” era uma aposta arriscada. Em um período dominado por blockbusters e comédias românticas de fórmula previsível, o longa trouxe um frescor ao gênero, priorizando diálogos filosóficos e realistas em vez de tramas melodramáticas. Filmado com um orçamento de apenas US$ 2,5 milhões, o projeto conquistou espaço no circuito independente e explodiu.
O roteiro, coescrito por Linklater e Kim Krizan, se destacou pela profundidade dos diálogos. Jesse e Céline discutem temas como amor, morte, feminismo, espiritualidade e o sentido da vida, ao mesmo tempo, em que revelam camadas de suas personalidades. Varam a noite discutindo esses temas enquanto passam por pontos lindíssimos (e românticos) da capital austríaca.
Para muitos espectadores, as conversas entre os personagens ecoaram experiências reais, capturando a vulnerabilidade e a intensidade de conexões fugazes. Nada de internet, telas ou redes sociais.
A química de Ethan Hawke e Julie Delpy
Parte do sucesso do filme deve-se à atuação de Ethan Hawke e Julie Delpy, que contribuíram significativamente para os diálogos improvisados e naturais que marcaram a obra. Linklater os incentivou a colaborarem no desenvolvimento dos personagens, o que resultou em performances bastante autênticas e que pareceram sinceras à audiência. Essa parceria apenas cresceria com o passar dos anos.
Delpy e Hawke transmitiram uma sensação de intimidade que parecia quase documental – parecia que havia uma câmera escondida. “Era como se estivéssemos apenas observando duas pessoas reais se apaixonando”, declarou um crítico do The New York Times em 1995.
Trinta anos depois, os dois atores ainda são frequentemente questionados sobre Jesse e Céline, reforçando como esses personagens se tornaram parte indissociável de suas carreiras.
Trilogia (ou quase isso)
Embora “Antes do Amanhecer” funcione perfeitamente como uma obra independente, o sucesso do filme levou à criação de duas continuações igualmente bem sucedidas: “Antes do Pôr do Sol” (Before Sunset, 2004) e “Antes da Meia-Noite” (Before Midnight, 2013). Cada capítulo da trilogia revisita Jesse e Céline em diferentes momentos de suas vidas, explorando como o tempo e as escolhas moldam o amor.
O segundo filme, ambientado em Paris, mostra os personagens se reencontrando nove anos após a noite em Viena. Já o terceiro, situado na Grécia, apresenta Jesse e Céline enfrentando as complexidades de um relacionamento maduro. Todos são dirigidos por Linklater, que também trabalhou com os atores em outras produções.
A trilogia também desafia convenções narrativas ao evitar finais fechados ou idealizados. Cada obra deixa espaço para interpretação, permitindo que os espectadores projetem suas próprias histórias nos personagens. Essa abordagem reflexiva e aberta ajudou a consolidar o status da série como um estudo profundo e universal sobre as relações humanas.
O que pouca gente sabe é que Jesse e Celine aparecem em outro trabalho de Linklater. Em Waking Life (2001), de Richard Linklater, Jessie (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) fazem uma participação especial em uma cena que funciona como um epílogo espiritual para Antes do Amanhecer (1995), o primeiro filme da trilogia Before de Linklater.

Na cena, os dois estão deitados na cama conversando sobre sonhos, reencarnação e o conceito de que cada pessoa carrega dentro de si diferentes versões de si mesma ao longo do tempo. Celine menciona um sonho no qual sente que nunca realmente acordou, e Jessie discute a ideia de que a gente pode estar em um estado de sonho perpétuo sem perceber. Esse diálogo ilustra a vibe do ótimo “Waking Life”, que explora a relação entre sonhos e realidade de maneira filosófica e existencialista.
Embora nunca seja explicitamente dito que eles são Jessie e Celine, a química entre os personagens, suas reflexões e como interagem sugerem fortemente que essa cena é uma extensão da jornada deles em Antes do Amanhecer. Isso dá um ar de metanarrativa ao filme, misturando ficção e realidade dentro do universo de Linklater.
Experiências pessoais
Em uma nova entrevista com o The Independent , Hawke disse: “Há muito de mim e da minha realidade nesses filmes. Eles são tão profundamente conectados a mim quanto qualquer coisa poderia ser.
“Não consigo olhar para Before Sunrise agora sem lembrar, tão vividamente, daquele período. Quem eu era naquela época é tão diferente de quem sou agora; é difícil para mim assistir e exorcizar isso da minha vida real.”
Entre o segundo e o terceiro filme, Hawke se separou de sua esposa, a atriz Uma Thurman. Linklater encorajou Hawke a colocar seus sentimentos na tela. “Foi realmente estressante fazer aquilo”, disse Hawke.
“Foi assustador. Rick estava realmente interessado em borrar a linha entre personagem e ator para dar ao filme um subconsciente. Colocamos muito de nós mesmos nesses filmes.”
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