14 de março de 2025
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Paul Auster: o superstar literário que faz muita falta

Escritor de raro talento, Paul Auster morreu em 2024, mas sua obra continua fresca, viva e mais significativa do que nunca.
4 de fevereiro de 2025
Paul Auster em sua casa, em Nova York. Foto: reprodução.

“Vou falar sempre que puder, caso contrário não consigo viver comigo mesmo”, disse o escritor americano Paul Auster, em 2017, ao jornal britânico The Guardian. E Auster falou. Ou melhor, escreveu, o máximo que ele pode, numa qualidade e ritmos que somente ele tinha. Falecido em outubro de 2024, em sua casa em Brooklyn, Nova York, aos 77 anos, de complicações relacionadas a um câncer de pulmão, ele faz falta.

Se você não sabe quem foi Paul Auster, ou já até ouviu falar dele, mas não sabe muito bem o que ele fez de bom, você chegou ao lugar certo. Auster, já digo, é um dos meus escritores preferidos. E por isso, eu gostaria de apresentá-los para vocês. Meu livro preferido dele é “Viagens no scriptorium”, de 2007. Fechado num pequeno quarto e vigiado o tempo todo por câmeras e microfones, um homem de certa idade busca reconstituir sua memória. Ele não sabe onde está – hospital, prisão, asilo?

Gostou do mote do livro? Pois é: Auster era um cara inventivo.

Paul Auster, o cara de Nova Jersey

Paul Auster foi um dos nomes mais influentes da literatura contemporânea. Nascido em Newark, Nova Jersey, em 1947, ele se formou em literatura francesa, italiana e inglesa pela Universidade de Columbia. Auster viveu na França entre 1970 e 1974, onde traduziu autores como Sartre e Mallarmé — experiência que moldou seu estilo narrativo, mesclando influências europeias com a crueza da vida urbana norte-americana.

Seu primeiro romance, A Invenção da Solidão (1982), já anunciava temas que o acompanhariam pelo resto da carreira: a relação com o pai, a identidade fragmentada e a busca por significado em um mundo caótico.

Outro aspecto recorrente em seus escritos é o uso de narradores pouco confiáveis e a metalinguagem. Auster frequentemente inseria reflexões sobre o próprio ato de escrever, criando diversas camadas de significado. Para quem lê, é um deleite. Seus personagens, muitas vezes escritores ou artistas, enfrentam dilemas existenciais que espelham questões universais.

Paul Auster ganhou notoriedade internacional com a “Trilogia de Nova York”, composta por Cidade de Vidro (1985), Fantasmas (1986) e O Quarto Fechado (1986). Nessas obras, ele desconstrói o gênero policial tradicional, transformando-o em um espaço para investigações filosóficas e psicológicas. Em vez de se concentrar em crimes e detetives, Auster foca na identidade, no sentido da vida e nas coincidências que moldam o destino.

No fim de um dia de escrita, estou física e mentalmente exausto como se tivesse estado a correr a maratona

O estilo de Auster é marcado por uma prosa limpa e direta, mas carregada de significado. Ele utiliza o acaso como um elemento narrativo fundamental, mostrando como pequenos eventos podem desencadear mudanças significativas na vida dos personagens. Essa abordagem é evidente em obras como O Livro das Ilusões (2002) e Homem no Escuro (2008), onde a fronteira entre o real e o imaginário é bastante tênue.

Da ficção à realidade: vida Pessoal e tragédias

Auster sempre entrelaçou biografia e ficção. Seu casamento com a escritora Siri Hustvedt (1981-2024) inspirou colaborações artísticas, como o filme Lulu on the Bridge (1998), enquanto a perda do pai em 1979 ecoou em obras como A Invenção da Solidão (belíssimo). Porém, sua vida também foi marcada por tragédias: em 2022, seu filho Daniel, fruto do primeiro casamento com Lydia Davis, morreu de overdose após ser acusado da morte acidental da filha de 10 meses.

O diagnóstico de câncer em 2022 não o impediu de publicar o ótimo Baumgartner (2023), romance sobre luto e memória que muitos consideram seu testamento literário. Auster enfrentou a doença com a mesma determinação que guiou sua carreira.

Prêmios e preferidos

Paul Auster recebeu inúmeros prêmios, incluindo o Príncipe de Asturias das Letras (2006) e o Médicis por Leviatã (1993). Sua capacidade de fundir alta literatura com acessibilidade rendeu-lhe o título de “superstar literário” pelo Times Literary Supplement. Romances como O Livro das Ilusões (2002) e 4321 (2017) — finalista do Booker Prize — desafiam convenções ao explorar vidas paralelas e a natureza contingente da existência.

“É a novela mais realista que já escrevi”, admite o autor sobre 4321. “Tudo é direto e imediato, sem truques ou ilusões. A única audácia é a estrutura. Ocorreu-me de repente, um dia, quando estava lendo o jornal no meu escritório: em lugar da viagem de uma pessoa desde o nascimento até a idade adulta, contaria quatro caminhos distintos com variações sobre um fundo comum”, disse ao jornal espanhol El País.

Além da ficção, Auster deixou ensaios impactantes, como Bloodbath Nation (2023), uma crítica à violência armada nos EUA, e biografias como Um Homem em Chamas (2021), sobre Stephen Crane. Seu trabalho cinematográfico, incluindo o roteiro de Smoke (1995), mostrou que sua narrativa transcendia o papel, influenciando diretores e roteiristas.

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Sílvia Rocha

Formada em Comunicação pela UFC. Mora em Águas Claras, Distrito Federal, onde vê o mundo acontecer de sua janela. Gosta de ler sobre história e é fã incondicional de The Office!

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