De acordo com dados parciais da Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo, em 2024, uma ameaça contra a mulher foi registrada a cada 5 minutos no estado. De janeiro a novembro, foram registrados mais de 97 mil boletins de ocorrência. No restante do país (e do mundo), as estatísticas não são muito melhores. Qualquer lugar é perigoso para as mulheres, e nós, homens, somos os responsáveis por todo esse tipo de risco. Duvida? Basta se perguntar: se todos os homens do planeta desaparecessem, o mundo ainda seria considerado perigoso para as mulheres?
“Pisque duas vezes” é um filme sobre feminicídio e sobre violência de gênero. Mas não é apenas isso. O filme é sobre a revolta. A revolta de um grupo de mulheres contra a opressão e a violência masculina. É um dos filmes mais catárticos que vi nos últimos anos. E é dos bons.
“Pisque Duas Vezes” foi lançado em 2024 e marca a estreia de Zoë Kravitz na direção. A trama segue Frida (Naomi Ackie), uma garçonete que conhece o bilionário da tecnologia Slater King (Channing Tatum, em ótima performance) durante uma gala beneficente. Encantado, Slater a convida para férias em sua ilha particular, acompanhada de amigos. O que inicialmente parece um paraíso logo se transforma em uma experiência inquietante, à medida que eventos estranhos começam a ocorrer, levando Frida a questionar a realidade ao seu redor.
O elenco conta ainda com Alia Shawkat, Christian Slater e Geena Davis. O filme estreou nos cinemas brasileiros em 22 de agosto de 2024 e está disponível no Amazon Prime Video desde 21 de janeiro de 2025.
Memória, trauma, violência
O grupo de mulheres na ilha de King é heterogêneo. Há mulheres ricas e mais pobres. Há modelos e trabalhadoras de outras atividades, mulheres brancas e uma negra. Uma delas já participou de um reality show de sobrevivência. Há jovens de 20 anos, mas também há uma mulher de uns 50 que trabalha para King. Quase todas desconhecem umas às outras. Mas todas criam um laço incrivelmente forte quando descobrem que existe uma coisa em comum: todas foram violentadas pelos mesmos homens.
King, que sofreu abusos na infância, conta com a ajuda de seu “terapeuta” para desenvolver uma substância que apaga todo o trauma. E ambos usam isso para estuprar continuamente suas vítimas, que não se recordam do que aconteceu. É memória que se retira delas; é a necessidade da recuperação do trauma que elas perdem (combustível para reação).
Tudo muda quando uma delas, a personagem principal, negra, percebe o que está rolando naquela maldita ilha. O trauma, então, vem à tona, como uma grande revelação. Neste momento, a memória aparece com um sentido importante: a lembrança, ainda que dolorosa, é proteção contra o abuso, porque, para ter justiça, é preciso ter lembrança.
Cabe destacar algumas sutilezas do roteiro, como a condição da mulher negra, e também a postura do jovem gay, que embora seja abusado pelo grupo, não tem o mesmo vínculo com as mulheres.
“Pisque duas vezes”
O nome do filme pode ser interpretado de duas formas. Pode ser uma referência à ideia de ver melhor. Algo como, pisque, veja de novo e repare coisas que você não havia reparado. Mas pode ser também uma referência a sinais que as mulheres estabelecem entre si como códigos mais ou menos universais de proteção e solidariedade em momentos de perigo.
O final talvez gere certa controversa. Teria a protagonista encontrado a melhor solução? Eu, sinceramente, não sei. Eu acho que sim. Mas entendo quem acha que não foi o caso (diga nos comentários sua opinião!).
Zoë Isabella Kravitz
Zoë Isabella Kravitz, nascida em 1º de dezembro de 1988 em Los Angeles, Califórnia, é uma atriz, cantora e modelo norte-americana. Filha do músico Lenny Kravitz e da atriz Lisa Bonet, Zoë iniciou sua carreira cinematográfica em 2007, participando de filmes como “Sem Reservas” e “O Suspeito”. Ela ganhou destaque por seus papéis em “X-Men: Primeira Classe” (2011), “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015) e na série “Big Little Lies” (2017–2019). Em 2022, interpretou Selina Kyle, a Mulher-Gato, no filme “The Batman”. Além de atuar, Zoë também trabalhou com música, liderando a banda Lolawolf, e na moda, como influente figura no meio.

Zoë faz parte, hoje, de uma minoria no cinema. Em 2023, as mulheres representavam 16% dos diretores nos 250 filmes de maior bilheteria nos Estados Unidos. Esta é uma ligeira diminuição em relação a 2022, quando as mulheres representavam 22% dos realizadores nos 250 melhores filmes.
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