Drauzio Varella tem recuperado uma dimensão muito comum entre médicos brasileiros no passado, mas que, devido à hiper especialização dos currículos acadêmicos, ficou perdida: a erudição. Médico não precisa apenas entender sobre hemácias, quimioterapias ou técnicas de cirurgia. Ele também deve saber falar sobre Aristóteles, a construção do Canal do Panamá e as origens da desigualdade social, pois seu trabalho estará sempre intimamente conectado com o mundo social.
Varella, médico oncologista, tem feito isso há pelo menos três décadas com a sua literatura de não ficção. Ele bateu recordes de vendas e de prêmios pela primeira vez em 1999, quando lançou o livro “Estação Carandiru”, onde conta sua experiência como médico voluntário, a partir de 1989, na Casa de Detenção de São Paulo, onde realiza atendimento em saúde, especialmente na prevenção da AIDS, e onde houve o massacre de 1992.
Nos anos seguintes, Varella lançou vários outros livros e participou de importantes programas de divulgação científica, conectando-se como poucos com populações de diferentes estratos sociais. Neste sentido, Varella foi, talvez, mais longe do qualquer outro médico.
Agora, aos 83 anos, ele está de volta com mais um lançamento: “O sentido das águas: Histórias do rio Negro”, publicado pela Companhia Das Letras. No livro, que começa a ser vendido neste sábado, 5 de abril, ele escreve sobre expedições, casos e encontros com indígenas, garimpeiros, militares e ribeirinhos que teve na bacia do Rio Negro, onde atuou por mais de três décadas como médico. “Como é que eu conhecia tanto do mundo e não aquele lugar, que fica no país ao qual devo tudo?”.

Novo livro de Drauzio Varella está em pré-venda e entra em venda imediata neste sábado, 5 de abril, nos formatos ebook e impresso. Clique aqui.
O rio Negro é um dos maiores afluentes do rio Amazonas e um dos rios mais importantes da América do Sul. Com origem na Colômbia, atravessa parte da Venezuela e do Brasil, percorrendo mais de 2.250 km até desaguar no Amazonas, próximo de Manaus. Suas águas escuras, resultado da decomposição de matéria orgânica na floresta, contrastam de forma impressionante com as águas barrentas do rio Solimões, no famoso encontro dos rios. Além de sua importância ecológica e econômica, o rio Negro também desempenha um papel fundamental na vida das comunidades ribeirinhas, indígenas e na biodiversidade da Amazônia, sendo habitat de uma grande variedade de espécies aquáticas e vegetação típica da floresta tropical.
Em conversa com o jornal Estado de S. Paulo, o médico foi perguntado qual teria sido a história que mais o emocionou na bacia do Rio Negro, e que está relatada no livro. Varella foi direto:
“Sem dúvida nenhuma foi o caso de uma mulher, que eu chamei de Jararaca [no livro], que era uma indígena Tukana. Ela estava na roça dela, que era distante da casa, a duas horas de remo, e foi picada por uma jararaca. Teve que voltar remando duas horas com aquela dor violenta. Foi só no outro dia que ela foi resgatada de helicóptero e aí sim foi tratada. Fui vê-la em casa, porque nós estávamos gravando um vídeo. No meio da entrevista, contando todo esse drama, veio a filhinha dela, de uns 10 anos, que sentou no colo da mãe. Na hora que eu fui embora, me levantei e a menina disse: ‘não vai não, fica com a gente’. Só de lembrar [me emociono].”
Já em entrevista para o jornal O Globo, onde é colunista, Varella falou sobre a situação do garimpo na região, um dos principais assuntos do novo livro:
“Quem vai para o garimpo é o pobre. O rico compra máquina e aluga para quem está garimpando. Você acha que eles gostam de morar no meio da floresta, sendo picado por mosquito, pegando malária? Não. É porque eles não veem outra chance de ganhar dinheiro e estabelecer, mas é tudo ilusão — diz o médico, contando que, toda vez que escrevia uma frase muito política no livro, preferia mudar o rumo.”
O autor de “O sentido das águas”
Drauzio Varella nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em medicina pela USP, trabalhou por vinte anos no Hospital do Câncer. Foi voluntário na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) e na Penitenciária Feminina da Capital, e hoje atende no Centro de Detenção Provisória do bairro do Belém, também em São Paulo. É autor, entre outros, de Estação Carandiru (1999), que ganhou os prêmios Jabuti de Não Ficção e Livro do Ano.
Em entrevista para o jornal O Globo, onde é colunista, Varella falou sobre a situação do garimpo na região, um dos principais assuntos do novo livro:
“Quem vai para o garimpo é o pobre. O rico compra máquina e aluga para quem está garimpando. Você acha que eles gostam de morar no meio da floresta, sendo picado por mosquito, pegando malária? Não. É porque eles não veem outra chance de ganhar dinheiro e estabelecer, mas é tudo ilusão — diz o médico, contando que, toda vez que escrevia uma frase muito política no livro, preferia mudar o rumo.”
“O sentido das águas: Histórias do rio Negro” é o livro número 20 de Varella. Está disponível em e-book e no formato impresso.
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