Um dos momentos mais decisivos da história brasileira do século XIX é tema do ensaio de Beatriz Gallotti Mamigonian, que está disponível gratuitamente para leitura e download – clique aqui para baixar. A publicação analisa o processo que levou à abolição do tráfico de escravizados em 1850, com atenção especial à atuação do jornal abolicionista O Philantropo e à formação de um grupo articulado de oposição à escravidão.
Lançado como e-book pela Companhia das Letras, o ensaio reproduz na íntegra o sexto capítulo do livro Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil, publicado originalmente em 2017. Nele, a historiadora Beatriz G. Mamigonian oferece uma investigação minuciosa sobre os bastidores políticos, diplomáticos e sociais que antecederam a promulgação da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, contextualizando-a como um desdobramento complexo — e não como um gesto isolado do Estado imperial brasileiro.
O ensaio gratuito de Mamigonian traz uma abordagem historiográfica original, ao destacar a participação ativa de africanos escravizados e libertos, e também ao jogar luz sobre atores históricos até então pouco explorados pela historiografia, como o jornal O Philantropo, Periódico Humanitário, Científico e Literário, que circulou entre 1849 e 1852 no Rio de Janeiro.
Um jornal contra o tráfico
Impresso na Corte pela Tipografia Philantropica, sem identificação de redatores ou editores em seus dois primeiros anos, O Philantropo surgiu com uma missão declarada já em seu editorial de estreia: “Combater a escravidão, e indicar os meios de sua extinção será o nosso principal trabalho.” Por meio de artigos incisivos, denúncias e respostas a outros periódicos, o jornal ocupou um espaço relevante no debate público e se tornou porta-voz de um grupo abolicionista articulado, que se opunha tanto ao tráfico quanto à escravidão em si.
Ao recuperar a trajetória dessa publicação e de seus vínculos com setores ingleses, Mamigonian revela uma faceta pouco conhecida da luta contra o tráfico. O grupo por trás de O Philantropo não apenas fazia oposição ao governo brasileiro, mas buscava, através da imprensa, pressionar o Império a cumprir os compromissos assumidos com a Inglaterra desde a lei de 1831, que já proibia o tráfico, mas nunca foi efetivamente aplicada. Essa articulação crítica, ancorada em denúncias públicas e em um discurso moral e político contra o tráfico, mostra que havia resistência organizada à escravidão dentro do próprio Brasil antes mesmo da grande campanha abolicionista da década de 1880.
Além da atuação de O Philantropo, o ensaio revisita episódios-chave como o plano de revolta escrava no Vale do Paraíba em 1848 e o chamado “episódio Cormorant”, envolvendo uma embarcação britânica e tensões diplomáticas com o Império. Mamigonian também analisa os debates no Parlamento e no Conselho de Estado, mapeando a complexa rede de interesses que cercava o tráfico e sua gradual criminalização.
A partir desses elementos, a autora sustenta que a abolição do tráfico, longe de representar uma ruptura com a escravidão, foi um movimento estratégico das elites escravistas para preservar o sistema escravocrata diante da crescente pressão internacional. O tráfico foi abolido para que a escravidão pudesse ser mantida — essa é uma das teses centrais do capítulo agora disponibilizado gratuitamente.
Pesquisa de referência
Professora do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, Beatriz G. Mamigonian é reconhecida como uma das principais especialistas em história da escravidão e do pós-abolição no Brasil. Foi professora visitante na Universidade Estadual de Michigan e pesquisadora convidada do Gilder Lehrman Center for the Study of Slavery, Resistance and Abolition, da Universidade de Yale. Atualmente, coordena o projeto Santa Afro Catarina, voltado ao mapeamento e valorização da presença africana e afrodescendente no estado.
Sua obra Africanos livres representa uma contribuição fundamental para o entendimento da escravidão no Brasil, especialmente por incorporar o protagonismo dos africanos libertos após 1831, que viveram em uma zona cinzenta entre a liberdade legal e a prática da escravidão ilegal. O capítulo agora disponibilizado aprofunda essa perspectiva, mostrando como os debates sobre o tráfico — e sobre a própria legitimidade da escravidão — estavam em disputa muito antes da década de 1880.
O e-book gratuito da Companhia Das Letras faz parte das ações da editora para ampliar o acesso a obras de referência sobre a história do Brasil.
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