Por mais de cem anos, Palmares, ou a “pequena Angola”, como também era conhecido esse importante quilombo, foi como um reino africano dentro da América do Sul. O Quilombo dos Palmares, que se tornou, com razão, símbolo de resistência negra contra a escravidão, é também o tema de uma baita HQ chamada Angola Janga, do quadrinista Marcelo D’Salete.
Angola Janga foi publicada em 2017. Baseada em vasta pesquisa historiográfica, a obra se tornou uma referência na representação da história negra no Brasil. E rendeu inúmeros prêmios a Marcelo D’Salete. Dentre esses pêmios, estão “Prêmio Jabuti 2018 – categoria quadrinhos”,
“Prêmio Grampo Ouro 2018” e “Prêmio HQMIX 2018 – desenhista, roteirista, destaque internacional e edição especial nacional”.
O autor, Marcelo D’Salete, é um dos nomes mais importantes dos quadrinhos brasileiros contemporâneos. Estudou design gráfico, é graduado e mestre em artes plásticas. Com um traço marcante e uma abordagem rigorosa da pesquisa histórica, ele já havia explorado temas semelhantes em Cumbe (2014), outra HQ sobre a resistência negra. Em Angola Janga, ele aprofunda essa investigação, explorando personagens reais e suas complexidades em um contexto de guerra e sobrevivência.

Um grandioso romance histórico em quadrinhos que fala de Zumbi e de vários outros personagens complexos como Ganga Zumba, Domingos Jorge Velho, Ganga Zona e diversos homens e mulheres que compõe o retrato de um momento definidor do Brasil. Confira aqui.
A expressão “Angola Janga” era um dos nomes usados para se referir ao Quilombo dos Palmares. O território abrigava milhares de escravizados fugidos e representava uma ameaça constante ao sistema colonial. A história se passa no século XVII e acompanha figuras centrais desse período, como Ganga Zumba e Zumbi, trazendo um olhar detalhado sobre a luta contra a dominação portuguesa.
A construção de Angola Janga
O processo de criação envolveu uma extensa pesquisa, incluindo documentos históricos, cartas dos colonizadores e estudos acadêmicos. O autor se preocupou em retratar com precisão os costumes, vestimentas e a geografia da região. O uso do preto e branco nos desenhos reforça o tom dramático da obra, intensificando a sensação de tensão e perigo constante.
“O interesse para fazer o livro de Palmares surgiu a partir de um curso promovido por um intelectual muito bom, o Petrônio Domingues. Também teve outro escritor importante para mim, o Luís Fulano de Tal, autor de “A Noite dos Cristais”. Ele tem uma forma extremamente ágil de falar sobre a Revolta dos Malês [levante de escravizados em Salvador em 1835]. Li “Rebeliões da Senzala” e “Sociologia do Negro Brasileiro”, de Clóvis Moura, e também o trabalho do Flávio Gomes, grande pesquisador sobre quilombos. Na área de ficção, li a escritora Toni Morrison”, explicou D’salete em entrevista ao UOL em 2021.
A trama acompanha diferentes personagens, desde líderes quilombolas até soldados portugueses, explorando suas motivações e estratégias. D’Salete destaca que o objetivo não era criar uma visão romantizada, mas sim uma reconstrução fiel das relações de poder e resistência no Brasil colonial.
“Ele [Zumbi] foi um líder importante, mas a história de Palmares é maior do que apenas a figura dele. Tivemos outras pessoas relevantes, como Ganga Zona e Ganga Zumba, que eram antigas lideranças. Uma pessoa que era chamada de rainha, a gente não sabe ao certo o nome, talvez Aqualtune, foi uma mulher importante em Palmares. Estamos falando de cinco gerações que viveram na Serra da Barriga, que não conheceram o que é a escravidão nas vilas coloniais porque passaram suas vidas nos mocambos”, disse D’salete..
História do Brasil
A recepção de Angola Janga foi amplamente positiva, sendo reconhecida como uma das obras mais relevantes sobre o tema. A HQ recebeu prêmios no Brasil e no exterior, consolidando Marcelo D’Salete como um dos grandes nomes dos quadrinhos históricos. Em 2018, a obra ganhou o Prêmio Jabuti na categoria Histórias em Quadrinhos, reforçando sua relevância no cenário cultural.
A representação da resistência negra nos quadrinhos é fundamental para ampliar o debate sobre a escravidão e suas consequências. Angola Janga contribui para a difusão desse conhecimento de maneira acessível, atingindo leitores que talvez não entrariam em contato com o tema por meio de livros acadêmicos.
Outro ponto importante é o impacto da HQ no ensino. Professores de história têm utilizado Angola Janga como material didático, promovendo discussões sobre racismo, colonialismo e resistência. A linguagem visual dos quadrinhos facilita o engajamento dos alunos, tornando o aprendizado mais dinâmico e próximo da realidade dos jovens.
Palmares
O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo do período colonial brasileiro, localizado na região da Serra da Barriga, atual estado de Alagoas. Fundado no final do século XVI por africanos escravizados que escapavam das plantações de açúcar, tornou-se um refúgio para milhares de fugitivos, incluindo indígenas e brancos pobres. Palmares desenvolveu uma estrutura política e militar sofisticada, resistindo por décadas às investidas portuguesas e holandesas. Seu líder mais famoso, Zumbi dos Palmares, simboliza a luta contra a escravidão. O quilombo foi destruído em 1694 pelas tropas do bandeirante Domingos Jorge Velho, marcando o fim de uma das mais emblemáticas resistências negras da história do Brasil.
Se você gostou desta matéria, considere ler também
Tsundoku: a palavra japonesa para o hábito de acumular livros