A ditadura militar no Brasil durou 21 anos e deixou um rastro de morte e destruição. Segundo levantamento da Comissão Nacional da Verdade, entre 1964 e 1985, 4.649 indígenas foram mortos pelos agentes da repressão. Esses dados aparecem, respectivamente, nos volumes I, III e II do Relatório Final da CNV. Esse importante tema do Brasil recente é objeto de estudo do livro “Relatório Figueiredo: atrocidades contra povos indígenas em tempos ditatoriais”, da historiadora e antropóloga Jane Felipe Beltrão. O livro está com download gratuito na Amazon. Clique aqui para baixar.
O Relatório Figueiredo: o que foi
O chamado Relatório Figueiredo é um extenso documento de mais de 7.000 páginas produzido em 1967 pelo procurador Jader de Figueiredo Correia, a pedido do então ministro do Interior, Afonso Augusto de Albuquerque Lima. O relatório investigou e documentou graves crimes cometidos contra os povos indígenas no Brasil, especialmente por agentes do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão estatal responsável por políticas indigenistas na época.
O documento revelou uma série de atrocidades praticadas entre 1946 e 1988, incluindo:
- Assassinatos em massa e massacres de comunidades inteiras;
- Torturas, escravidão e abuso sexual de indígenas;
- Guerra bacteriológica e química, como a disseminação proposital de doenças, incluindo a introdução deliberada de varíola em aldeias isoladas;
- Envenenamento de alimentos, como o caso dos Tapayuna, que receberam açúcar contaminado com arsênico;
- Deslocamentos forçados e usurpação de terras indígenas
Um dos episódios mais chocantes descritos foi o chamado “Massacre do 11º Paralelo”, no qual um ataque ao povo Cinta Larga deixou apenas dois sobreviventes entre trinta indígenas. Ele ocorreu em 1960, portanto, antes da ditadura, mostrando que, embora o regime autoritário tenha concentrado as mortes contra os indígenas, vários povos sofreram com perseguições e mortes antes de 1964. Por isso, inclusive, a CNV analisa o período que vai de 1946 a 1985.
A divulgação do relatório em 1968 causou grande repercussão internacional. Como resultado, o SPI foi extinto e substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), criada para reformular as políticas indigenistas do país. Além disso, mais de 50 funcionários públicos foram demitidos.
Após sua divulgação, o relatório foi considerado perdido, supostamente destruído em um incêndio. Somente em 2012, o documento foi redescoberto no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, pelo pesquisador Marcelo Zelic. Desde então, tornou-se uma peça-chave para a Comissão Nacional da Verdade, que investigou violações de direitos humanos ocorridas entre 1947 e 1988.
O livro de Jane Felipe Beltrão
A publicação do livro de Beltrão pode ser considerada um marco na crítica ao tratamento inaceitável que os povos indígenas vêm recebendo do Estado brasileiro ao longo da história. Tendo como referência as atrocidades relatadas no Relatório Figueiredo, os textos aqui reunidos dão uma ideia clara da amplitude dos atos de desrespeito a que esta população tem sido submetida: massacres e ações de extermínio; deslocamentos forçados e usurpação de seus territórios; abusos sexuais às mulheres; e imposição de práticas assimilacionistas, procurando impedir sua reprodução cultural.
Sejam entendidas como genocídio ou etnocídio, tais práticas constituem fortes exemplos de desumanização. Deste modo, o livro sugere uma reflexão importante sobre o contraste entre a romantização dos povos indígenas, via o mito das três raças formadoras da nacionalidade, e o total desrespeito aos mesmos quando se permite tratá-los como povos sem mérito ou valor, podendo ser dizimados sem gerar qualquer sentimento de culpa nos agressores.
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