19 de abril de 2025
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Black Mirror 7×01: o episódio mais pesado da história da série

Foi impossível para mim ver o episódio Common People de Black Mirror e não lembrar do livro "Sociedade do cansaço", best-seller do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han.
15 de abril de 2025
Cena do episódio Pessoas comuns, de Black Mirror.
Primeiro episódio da nova temporada de Black Mirror é desesperador. Foto: divulgação.

A nova temporada de Black Mirror estreou na Netflix no último dia 10 de abril com seis episódios. E o primeiro episódio dessa sétima temporada da série britânica, Common People (“Pessoas comuns”), é um cartão de visitas e tanto. Sem medo de exagerar, eu diria que este é o episódio mais sombrio, e aterrorizante de todas as sete temporadas. Não é o melhor tecnicamente falando, mas é tremendo soco no estômago que vai te deixar bem pensativo pelas próximas semanas, como todo bom episódio de Black Mirror.

Em “Pessoas comuns”, acompanhamos Amanda (Rashida Jones), uma professora de cerca de 40 anos que desmaia em sala de aula e é diagnosticada com um tumor cerebral inoperável. Seu marido, Mike (Chris O’Dowd), fica arrasado e acaba recorrendo à Rivermind, uma empresa de tecnologia que oferece uma solução experimental: substituir parte do cérebro de Amanda por tecido sintético conectado a servidores, permitindo que ela continue viva mediante o pagamento de uma assinatura mensal.

Inicialmente, o serviço básico parece eficaz, mas logo surgem limitações que só podem ser superadas com planos mais caros. A versão básica, de 300 dólares, que o casal luta para pagar, fazendo muitas horas extras, deixa Amanda viva e funcional, mas, como se trata de um plano econômico, a deixa dormindo por 12 horas por dia, a fim de economizar os servidores, e só funciona dentro da cidade onde o casal reside.

Amanda e Mike, contudo, resistem à chantagem da empresa. Mas a Rivermind é implacável. A empresa começa a inserir anúncios nas conversas cotidianas para tudo. No café da manhã, por exemplo, ao conversar com o marido, ela sugere provar uma nova marca de café, muito mais suave e saboroso, em uma promoção super especial. Aqui, os roteiristas tiram sarro da própria Netflix, que introduziu, pela primeira vez, em 2024, planos econômicos com anúncios.

Até aí, o espetador consegue rir da situação, mas depois disso fica difícil continuar fazendo isso. Em certa situação, um aluno vem fazer um desabafo e o algoritmo que agora a controla sugere, por meio de anúncio, que ele procure aconselhamento emocional cristão, o que deixa os pais revoltados. Amanda começa a correr riscos no emprego. E a professora, além disso, está cada vez mais cansada. Pois, embora durma muito, seu sono nunca é um sono reparador. Ele descobre o motivo: na versão básica da Rivermind, ela nunca dorme completamente, pois parte da versão sintética do seu cérebro é usada para dar mais potência aos servidores.

Quer dormir menos, descansar mais, viajar para outras cidades ou ter os sentidos mais aguçados para a vida que te rodeia? Isso é possível, nos novos planos premium e plus, que custam mais do que o dobro do básico.

Sem poder continuar nessa situação, Mike toma uma decisão: ele vai pagar os 800 dólares da versão premium, tirar os anúncios de sua esposa e lhe dar mais sossego no sono. Para arcar com os custos, Mike, que já vinha pegando turno extra atrás de turno extra, se submete a desafios humilhantes em uma plataforma de streaming chamada Dum Dummies, onde ele passa a prender a língua numa ratoeira ou enfiar objetos no ônus, tudo ao vivo, diante de usuários que pagam pela humilhação.

O episódio faz, deste modo, uma crítica severa à sociedade neoliberal, ao poder das bigtechs (as grandes empresas de tecnologia), que brincam com nossos dados, nossa privacidade e bem-estar, e às humilhações constantes que o capitalismo digital nos obriga a passar para viver com um mínimo de dignidade. Exploração no trabalho, cansaço permanente, quebra de conexões emocionais e adiamento permanente dos sonhos. Está tudo nesse primeiro episódio da nova temporada de Black Mirror, sem maquiagem.

Sociedade do cansaço

É impossível ver o episódio e não lembrar do livro Sociedade do cansaço, best0-seller do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. No livro, Han argumenta que vivemos em uma era marcada pelo excesso de positividade e desempenho, onde os indivíduos são pressionados a serem produtivos, eficientes e autônomos a todo custo.

Diferente das sociedades disciplinares do passado, que impunham limites e proibições, a sociedade atual se estrutura em torno da autoexploração, levando ao esgotamento físico e psíquico — o “cansaço” — manifestado em transtornos como depressão, burnout e ansiedade. Han critica esse modelo neoliberal de subjetividade, onde o sujeito se transforma em seu próprio patrão e algoz, e propõe a recuperação do tédio, da contemplação e do silêncio como formas de resistência.

A situação de Amanda e Mike se torna mais perigosa quando Mike se envolve numa briga com um colega de trabalho que expõs publicamente as suas humilhações e, devido a um acidente que a briga gerou, ele acaba demitido. Sem dinheiro para manter o plano mais caro da Rivermind, Amanda retorna ao plano básico, passando a maior parte do tempo dormindo e falando anúncios ao acordar.

No final do episódio, Amanda ganha um plano premium temporário de Mike, com duração de apenas 30 minutos. Nesse período, ela eleva os níveis máximos de serenidade. E fica muito tranquila. Nesse momento raro em que se sente bem, pensante e funcional, ela propõe ao marido uma solução radical para a sua situação, no que acaba atendida. A solução é um tremendo choque para o espectador. E o que se segue a seguir, na cena final, é ainda mais assustador.

Símbolo dos nossos tempos, em que a vida é um sistema de assinaturas numa sociedade de pessoas mercantilzizadas, “Pessoas comuns” é uma narrativa pessimista, sem esperanças e tremendamente bizarra. Ou seja, tudo o que faz Black Mirror ser Black Mirror. Excelente episódio.

Confira mais críticas do Bonecas Russas aqui.


Bruno Leal

Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor do Departamento de História da Universidade de Brasília. É editor do portal Café História e colabora esporadicamente para o Bonecas Russas.

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