“Detalhe Menor”, publicado 2021, no Brasil, pela editora Todavia, é um romance da escritora palestina Adania Shibli que explora as complexidades da memória, da violência e da identidade palestina. A obra é estruturada em duas partes: na primeira, Shibli narra o assassinato de uma jovem beduína em 1949, durante uma patrulha israelense no deserto do Neguev. Na segunda parte, a autora apresenta a busca de uma mulher palestina, décadas depois, por informações sobre o ocorrido, refletindo sobre as lacunas na memória coletiva e as dificuldades de reconstruir o passado.
A escrita de Shibli é caracterizada por uma prosa detalhada e fragmentada, que reflete as fraturas e os silêncios da história palestina. Ao focar em um evento específico e em suas repercussões pessoais e coletivas, a autora oferece uma meditação profunda sobre as consequências da ocupação e da violência, convidando o leitor a refletir sobre as narrativas não contadas e as memórias apagadas.
Quem é Adania Shibli
Adania Shibli é uma escritora e acadêmica palestina, reconhecida por sua prosa lírica e profunda que explora questões de identidade, memória e ocupação. Nascida em 1974 na Palestina, ela estudou comunicação e jornalismo antes de se destacar na literatura. Shibli é autora de vários romances e coletâneas de contos, incluindo Detalhe Menor, aclamado internacionalmente. Além de escritora, é pesquisadora, com trabalhos focados em cultura, arte e política no mundo árabe. Sua obra combina minimalismo estilístico com intensidade emocional, capturando as complexidades da vida sob ocupação e dando voz às narrativas palestinas.
No verão de 1949 ― um ano depois do Nakba, episódio catastrófico que expulsou mais de 700 mil palestinos de suas terras ―, soldados israelenses atacam um grupo de beduínos no deserto do Neguev, dizimando a todos, exceto uma adolescente, que é capturada e violentada. Anos mais tarde, uma palestina busca desvendar alguns dos detalhes que cercam o caso. Com uma prosa inquietante, este livro ressoa de maneira fervorosa a experiência da expropriação. Confira o livro aqui.
Nas palavras do escritor J.M. Coetzee, Nobel da Literatura,
Adania Shibli arrisca ao nos dar acesso ao evento-chave do romance por meio de dois narradores profundamente autocentrados, e esse método se justifica completamente à medida que o livro avança até a sua conclusão arrebatadora”.
Trecho de “Detalhe Menor”
“O carro continua a atravessar a paisagem em alta velocidade, ao longo de uma estrada quase completamente reta. Mas eu sigo olhando para o mapa israelense, que deixei aberto no assento ao lado, temendo me perder nesse cenário que me dá a sensação de estranhamento depois de uma ausência tão longa, com todas as mudanças que sofreu e a insistente confirmação de que nele não resta nada de palestino. Nem nos nomes das cidades e vilarejos que aparecem escritos nas placas; nem nos outdoors de comerciais, onde todas as mensagens estão em hebraico; nem nos edifícios recém-construídos; nem mesmo nas extensões de terras agrícolas, beirando o horizonte, tanto à minha direita como à minha esquerda.
No entanto, depois de ter sumido, a mosca volta a voar sobre o quadro, e pequenos detalhes começam a surgir ao longo do caminho, insinuando sem estardalhaço sua existência. Roupas penduradas atrás de um posto de gasolina, um motorista de um veículo lento que eu ultrapasso, uma palmeira-dum, solitária no meio dos campos, além de uma antiga acácia, e, um pouco mais adiante, alguns pastores com seus animais sobre uma colina distante.
Dou uma olhadela no mapa israelense, para ter certeza de que devo tomar a saída do kibutz Galuyot à direita, que começa a ser indicada por várias placas grandes, enquanto novos edifícios imponentes despontam no horizonte. De lá, eu viro à esquerda, na rua Sálama, por onde continuarei no sentido da cidade de Jafa, ou “Yafo”, de acordo com as placas em hebraico, e assim até a linha azul do horizonte ficar evidente. O mar! Lá está ele, de verdade, depois de anos longe, sua cor azul-clara acabou se transformando numa faixa paralela no mapa, nada mais que isso”.
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