O terror é um gênero do cinema bastante difícil de inovar, assim como a sua contraparte, a comédia. Ele é muito antigo, muita coisa já foi testada, requentada e renovada. Quem tem boas ideias nem sempre tem orçamento. “Os Intrusos”, infelizmente, não traz nada de novo. Ele está na média. Mas isso não significa que seja um filme ruim. Vou tentar me explicar melhor.
“Os Intrusos” é um filme britânico de 2020. Ele mistura invasão domiciliar e suspense psicológico. A trama acompanha um grupo de jovens delinquentes nos anos 1990 que decide invadir a mansão do casal Higgins, dois velhinhos aparentemente inofensivos, com o objetivo de roubar um cofre misterioso. No entanto, o que começa como um assalto aparentemente simples rapidamente se transforma em um pesadelo.
Aos poucos, os invasores descobrem que os donos da casa, longe de serem vítimas indefesas, escondem segredos sombrios e possuem um passado inquietante, o que leva a uma escalada de tensão e violência. Conforme a noite se desenrola, a linha entre predador e presa se torna cada vez mais tênue, culminando em algumas.
O filme é a estreia do diretor francês Julius Berg no cinema. Até então, ele só tinha dirigido apenas algumas séries francesas para a TV, como “Bosque”(2017) e “Omosis” (2019), todas sem grande sucesso. “Os intrusos”, não posso esquecer de dizer, é a adaptação de uma HQ francesa chamada Une nuit de pleine lune, de Hermann Huppen e Yves Huppen.
“Os Intrusos”: não espere muito, mas…
O filmenão tem nada de sobrenatural. Não espere o espectador encontrar zumbis, vampiros, espíritos ou quaisquer outros monstros. O filme também não vai tentar assustar com jump scrares, esse vício insuportável dos anos 2000 que está difícil de deixar o cinema do horror. Trata-se de um terror psicológico, daqueles que provoca agonia e sensação de falta de ar. O casal da mansão é super esquisito, criminoso e de loucura assustadora. Basicamente, é isso que conduz a narrativa.
O roteiro não é preguiçoso e nem estúpido, mas, ao mesmo tempo, não é provocativo, e nem desafia nossa inteligência no bom sentido. As atuações são satisfatórias, assim como a direção, a fotografia e tudo mais. O filme, no plano geral, funciona, mas tudo é razoável. Não há nada que o jogue pra cima. Mas… tem uma coisa só que achei realmente interessante.
Esses jovens (três homens e uma mulher, todos no início dos seus 20 anos) pertencem a uma classe média baixa do Reino Unido, todos eles filhos diretos do neoliberalismo devastador de Margaret Thatcher (1979-1990). Não estudam, não trabalham, não tem qualquer perspectiva. Seus pais morreram de tanto trabalhar. Por isso, em parte, eles sentem que o universo deve alguma coisa a eles. E eles não estão completamente errados.
O problema é como eles tentam reverter essa situação. Os quatro entendem que o casal burguês que mora na mansão vai reparar a injustiça social. Os dois velhinhos moram com grande conforto, não tem (mais) filhos. Segundo a mãe de um desses jovens, que trabalha na casa como faxineira, haveria um cofre na casa (a mãe não sabe, porém, de nada da tramoia).
Mas o que era para ser uma redenção, acaba dando muito errado. Porque no inferno não há redenção. Depois de uma tentativa frustrada de abrir o cofre, o casal toma a rédea da situação e são os jovens que se tornam vítimas de novo dessa sociedade burguesa. O título em inglês reforça minha tese de crítica ao neoliberalismo: “Os proprietários” (The Owners). Os bens de valor, o cofre, a casa, tudo é e continuará sendo do casal. É o casal que vence. Se há monstros em “Os Intrusos” são os burgueses.
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