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“Terra Estrangeira”: há 30 anos, Fernanda Torres e Walter Salles já faziam história

Cena de Terra Estrangeira mostra os protagonistas na praia se abraçando, tristes. Foto em preto e branco.

"Terra estrangeira" marca o primeiro encontro (de sucesso) entre Walter Salles e Fernanda Torres. Foto: reprodução.

A atriz Fernanda Torres e o diretor Walter Salles estão brilhando nas premiações internacionais com o filme “Ainda estou aqui”, baseado em livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, sobre a luta de Eunice Paiva por justiça. Paiva teve o marido, o ex-deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar em 1971. O que nem todos sabem, porém, é que a dupla brasileira já fez história junta no cinema internacional. Isso aconteceu há exatos 30 anos, no excelente filme “Terra Estrangeira”.

A trama de “Terra Estrangeira” segue Paco (Fernando Alves Pinto), um jovem aspirante a ator cuja mãe, Manuela (Laura Cardoso), sonha em retornar à sua terra natal, San Sebastián, na Espanha. Com a morte repentina da mãe e sem perspectivas no Brasil pós-Plano Collor, Paco aceita transportar uma encomenda misteriosa para Portugal, oferecida por Igor (Luís Melo), em troca das despesas da viagem.

Em Lisboa, Paco conhece Alex (Fernanda Torres), uma brasileira que trabalha como garçonete e mantém um relacionamento conturbado com Miguel (Alexandre Borges), um músico viciado em heroína. Juntos, Paco e Alex se envolvem em uma trama de contrabando que os leva a questionar suas identidades e escolhas, culminando em uma fuga para a Espanha.

O elenco principal de “Terra Estrangeira” é repleto de grandes artistas: Fernando Alves Pinto como Paco; Fernanda Torres como Alex; Alexandre Borges como Miguel; Laura Cardoso como Manuela; Luís Melo como Igor. No banco de dados IMDB, que avalia filmes, “Terra Estrangeira” tem nota 7,4 (uma nota alta para o site). Salles está na direção ao lado Daniela Thomas.

Prêmios e Reconhecimentos

Na época do seu lançamento, “Terra Estrangeira” foi aclamado pela crítica e participou de mais de 40 festivais. No total, o filme recebeu mais de 10 indicações a prêmios nacionais e internacionais, e ganhou quase todas. Em 2015, ele foi eleito o 47º melhor filme brasileiro de todos os tempos pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine).

Filmado em preto e branco, o filme é considerado um dos pilares do chamado “cinema da retomada”, movimento que marcou a revitalização da produção cinematográfica brasileira nos anos 1990, após um período de estagnação e radical limitação orçamentária (felizmente o nosso cinema se recuperou – veja aqui que ótima notícia nos temos). Além da qualidade da direção e do elenco, o sucesso do filme também se explica pelo contexto.

Fernanda Torres em “Terra estrangeira”, de 1995. Fotor: reprodução.

“Terra Estrangeira” fala de um período crítico da história brasileira, o caso e desesperança do início dos anos 1990. Com a posse do presidente Fernando Collor em 1990, o país enfrentou medidas drásticas, como o confisco das poupanças, que geraram desilusão e instabilidade na população. Além disso, a extinção de órgãos de fomento ao cinema resultou em uma crise na produção cinematográfica nacional. O filme captura esse sentimento de frustração e a busca por identidade dos brasileiros deste “novo” Brasil, retratando personagens que, diante do caos interno, veem na emigração uma saída para reconstruir suas vidas.

A narrativa, além disso, aborda temas universais como identidade, pertencimento e a busca de exilados por paz em um novo lar, ressoando com a experiência de muitos brasileiros que, diante das dificuldades econômicas, buscaram oportunidades no exterior. A representação da diáspora brasileira e a sensação de ser estrangeiro, mesmo em terras com laços culturais, oferecem uma reflexão profunda sobre a condição humana e as fronteiras geográficas e emocionais.

A pesquisadora Marina Soler Jorge, autora de uma pesquisa sobre o filme, explica o seguinte, em seu artigo “Imagem da nação em Terra Estrangeira”:

A imagem da nação brasileira em “Terra estrangeira” está, então, relacionada à imagem da nação portuguesa, de modo que ambas são colocadas lado a lado a partir do ponto de vista de brasileiros desterrados. Para se pensar o Brasil parece fundamental pensar em Portugal, explicitando desse modo a decadência de duas nações ligadas por um passado colonial que, de maneiras diferentes, fracassaram: a falência do Brasil como “país do futuro” (e a morte de Maria é uma explicitação possível desse futuro não concretizável) e a falência de Portugal como um país preso a um passado de glórias que não mais se repetirão.

“Terra Estrangeira” marcou o início de uma colaboração duradoura entre Walter Salles e Daniela Thomas, que posteriormente trabalharam juntos em projetos como “O Primeiro Dia” (1998) e “Linha de Passe” (2008). A química entre os diretores resultou em obras que exploram as complexidades da sociedade brasileira com sensibilidade e profundidade.

Relevância intacta

“Terra Estrangeira” permanece relevante décadas após seu lançamento, não apenas por sua qualidade cinematográfica, mas também por sua capacidade de capturar um momento crucial da história brasileira. A combinação de uma narrativa envolvente, atuações memoráveis e uma direção visionária fazem do filme um documento essencial para compreender as transformações sociais do Brasil pós-ditadura.

Para quem gostou de “Ainda estou aqui”, “Terra Estrangeira” vai parecer familiar em vários sentidos, especialmente no tratamento das ambiguidades e dores dos personagens principais. Ver ou rever o filme, hoje, mostra como Walter Salles é um diretor sensível e consistente.

No momento em que escrevo esse texto, ‘Terra estrangeira” poder ser visto na Netflix e na Globoplay. E quer ler mais a respeito? O filme foi tema de outra pesquisadora, Janaína Cordeiro Freira, que escreveu o filme “Identidade e exílio em Terra Estrangeira”, que pode ser visto aqui.

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