Quem conhece um pouco a narrativa do game já sabia mais ou menos o que estava por vir. E nas últimas semanas ficou meio claro que isso aconteceria já no segundo episódio dessa nova temporada da série da HBO. Mas, mesmo assim, ninguém estava lá muito bem preparado para testemunhar o “evento” de The Last of Us.
Em “Cicatrizes”, que é o nome sugestivo desse episódio, vemos uma grande tempestade de inverno se aproximando de Jackson. Algumas patrulhas saíram para averiguar o perímetro no início da manhã, pois um evento preocupante envolvendo infectados havia sido relatado por alguns membros da comunidade – uma dessas patrulhas é formada por Joel (Pedro Pascal) e Dina (Isabela Merced).
Enquanto isso, a vingativa Abby (Kaitlyn Dever) está em chalé no alto da montanha, a alguns quilômetros de Jackson. Ela está com os amigos, pensando no que fazer para matar Joel. O grupo, porém, está desanimado, já que a manhã mostrou que Joel não mora num acampamento, como eles haviam imaginado na noite anterior, mas numa cidade populosa e protegida. Chateada com isso, ela sai em patrulha e se depara com duas pessoas cavalgando no meio da nevasca. Ela tenta chegar até eles e cai de um morro, começando a ser perseguida por infectados em massa.
Abby só não morre porque um membro da dupla de cavalos a salva. E o destino é ardiloso: a pessoa que a salva é Joel, que está com Dina. Abby agradece e diz que os dois podem procurar refúgio no chalé dela. Os três vão para lá e acabam encurralados pelo grupo. A emboscada está armada.
Enquanto isso, a massa de infectados está se aproximando rapidamente de Jackson. São milhares de infectados, enfurecidos. A cidade, porém, se preparou bem para aquele momento e todos começam a assumir suas posições para defender os seus lares. É uma cena épica, que mesmo séries de zumbi como The Walking Dead não conseguiram entregar, mesmo quando estiveram no auge da forma. A única série que conseguiu fazer isso foi a excelente Balck Summer – pra mim, a melhor série de zumbi já feita.
Um detalhe importante: a cena da tempestade de neve não é criada por computação. É neve, vento e frio de verdade. O episódio foi filmado no gelado Canadá. E isso dá grande realismo ao que estamos vendo na tela. Dá quase para sentir o frio que os personagens e atores estão sentindo.
Enquanto Abby despeja seu rancor e ódio contra Joel, Tommy (Gabriel Luna) está comandando a comunidade contra o ataque. A cena em que os monstros entram na comunidade é ótima. Atiradores nos altos dos prédios tentam conter a manada, enquanto lançadores de chamas estão nas ruas. O episódio, dirigido por Mark Mylod, intercala cenas de ação intensa com momentos de tensão emocional, estabelecendo o tom sombrio que guiará o restante da temporada.
Minha única crítica para esse episódio é uma oportunidade perdida. No porão dos prédios, estão idosos e crianças. Eles são pouco mostrados. E usar isso para escalonar a tensão do episódio ia funcionar muito bem. Seria uma boa referência aos civis londrinos que se escondiam nas estações de metrô da cidade durante os bombardeios alemães da Primeira e da Segunda Guerra Mundial. Uma pena que não tenham usado isso melhor.
O que passamos a perceber cada vez mais com a progressão do episódio é que a tempestade é real e também simbólica. Ela está destruindo a tudo e a todos, desfazendo certezas, balançando heróis e enlouquecendo vilões. Não adianta correr, a tempestade vai te pegar e vai te maltratar. E tempo frio, minha mãe costumava dizer, costuma fazer antigas cicatrizes e ossos calcificados doerem. É isso que ocorre no episódio.
A partir de agora, spoilers
No chalé, Abbey coloca Dina para dormir e começa a torturar Joel. Ela diz que vai matá-lo, mas que antes ele sofrerá, cumprindo, assim, a promessa do episódio anterior de infligir a ele uma morte lenta e torturante.
Ellie, enquanto isso, que havia saído de patrulha, encontra o chalé de Abby e vê os cavalos de Joel e Dina parados do lado de casa. Ela entra no chalé e logo vê que algo ali não está certo. Ela escuta barulhos no andar de cima e, quando entra no cômodo, vê Joel quase morto no chão, com Abby arrancando o couro dele. Ellie tenta ajudar, mas é contida. E assiste ao golpe final em Joel, o que a leva ao desespero. É deixada aos prantos pelo grupo, que deixa o chalé aparentemente para voltar a Seattle.
Cicatrizes. Esse início de temporada está cheio delas, simbólicas e reais, como a tempestade. A cicatriz de Joel na testa e a cicatriz da perda do pai em Abby. A cicatriz na alma da psiquiatra de Joel e a cicatriz na barriga de Ellie. Todas estão pulsando, doendo, revivendo a dor original.
Mas o nome do episódio poderia ser outro: cadeia de vingança. Abbey vai atrás de Joel pelas mortes no hospital – ela quer se vingar a todo custo, como se isso fosse aplacar a sua perda. Ela mata Joel, mas ao custo de traumatizar Ellie, que tem a mesma idade que ela tinha quando encontrou o pai morto (19 anos). E Ellie, muito provavelmente, vai fazer de sua vida também uma cruzada para matar Abby. Está criada, assim, uma cadeia de vingança que se retroalimenta. Será que alguém vai ser capaz de pará-la?
Acho que, por enquanto, isso não vai ser possível. Na verdade, essa cadeia, imagino, irá incorporar outras personagens. É o caso de Tommy. E não só porque ele perdeu o seu irmão. Acredito que ele vai associar o ataque dos zumbis à presença do grupo que matou Joel. E vai querer também a sua vingança, pois, mesmo que os habitantes de Jackson, ao final do episódio, tenham contido os invasores, muita gente morreu, muita coisa foi destruída. A sensação é que a reconstrução não será possível. Fica, assim, outra cicatriz, que vai doer também numa próxima tempestade.
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