Justiça ou vingança? Reconstrução ou guerra? Apenas a mentira de uma jovem ou uma mentirosa patológica? O terceiro episódio da segunda temporada de “The Last of Us” está repleto de questões morais. Fala sobre a condição humana. É um episódio mais moroso e contemplativo do que o anterior, que apresentou aos fãs da adaptação do game um apocalipse que mais parecia um final de temporada do que outra coisa.
Começamos “The Path” (em português, “O caminho”) com duas cenas, uma delas de luto e a outra de ódio. Na primeira, vemos Tommy ao lado do corpo do irmão morto. Seu relógio, presente da filha às vésperas do mundo acabar, foi quebrado, assim como o seu dono. Na segunda cena, vemos Ellie acordando em um hospital caótico em Jackson, urrando, por lembrar do que aconteceu com Joel e com a dor de um traumatismo torácico. Em seguida, a série avança três meses.
Como era de se esperar, Ellie quer vingança contra Abby e seu grupo. Tommy está de acordo com o plano de vingança de Ellie, mas não quer fazer isso com ela – ainda bem, já que ele tem família, né?! Compreensivo, Tommy diz a Ellie que a decisão precisa passar pelo Conselho e pela comunidade. Na tal reunião, a maioria dos moradores parece defender que Jackson invista na defesa da comunidade em vez de enviar uma expedição de retaliação. Ellie, emocionada, lê uma carta inflamável defendendo que a busca seja movida por justiça, mas a proposta é rejeitada por oito dos onze membros da banca. Assunto encerrado. Ou quase isso.
Ellie ignora a rejeição de sua proposta e começa a armar, com a ajuda de Dina, seu caminho até Seattle, onde estão os membros e a sede do Washington Liberation Front (WLF), o grupo paramilitar de Abby.
Na estrada, Ellie e Dina conversam sobre o beijo no réveillon, mas mantendo o foco na missão de encontrar Abby. O encontro com os cadáveres de Serafitas — incluindo uma criança — revela a brutalidade do conflito entre facções e assola Dina a ponto de fazê-la vomitar. Ao chegarem a Seattle, as ruas silenciosas dão lugar à visão de um extenso comboio militar da WLF marchando pela cidade, prenunciando o perigo que aguarda Ellie e Dina na capital.
Vingança em “The last of Us”
Pode ser que Ellie queira justiça, de fato, como ela disse ao Conselho de Jackson. Mas ela também está cheia de vingança na alma. É a busca por retribuição que move a jovem até Seattle. As duas coisas não são excludentes, e eu realmente acredito que a própria Ellie confunde as coisas, porque são confusas mesmo, e talvez sempre fiquem assim.
No decorrer do episódio, Ellie diz para todo mundo que está bem. Nós sabemos, porém, que não está. Quando Ellie volta para casa, vê as coisas de Joel, sua roupa, sente o cheiro, vê o relógio que Tommy tirou do pulso do irmão e ali deixou para ela, em cima da cama, numa pequena caixa onde está também com a arma do falecido. Ellie chora. E fica mais do que claro que ela é uma pessoa alquebrada. O relógio quebrado, aliás, é uma metáfora – do dono que também foi quebrado e do tempo parado na tragédia. Tempo de repetição que Ellie viverá convulsivamente. Quando Dina bate na porta, ela enxuga as lágrimas e volta a fingir bem-estar.
Tudo bem: e Ellie está fingindo para todos. Mas a cena dela em casa, sozinha, em que ela se permite chorar, me pareceu controlada demais. Minha expectativa era ver uma Ellie mais amargurada e com mais ódio, como ela estava ao acordar no hospital caótico logo depois do ataque a Jackson. Um soco na parede, um vidro quebrado, algo para mostrar ao espectador que a vingança que arde dentro dela é absurda. Mas a cena é muito contida, e isso prejudicou um pouco o argumento do episódio.
Outra coisa que me causou estranhamento neste terceiro episódio foi o caminho tranquilo que Dina e Ellie fizeram até Seattle. O WLF é um grupo numeroso, vigilante e violento. E não tinha qualquer posto ou sentinela avançado? Ninguém viu as duas se aproximando da cidade? Elas ainda foram pelas estradas principais! Além disso, nenhum infectado pelo caminho? Nada de ursos e outros animais selvagens? Desde que o mundo se foi, já se passaram 25 anos. Este caminho era para maltratar as duas. E isso não acontece. Ambas chegam tranquilamente até Seattle.
A melhor cena do episódio é sem dúvida nenhuma a da conversa entre Tommy e a (única) psicóloga de Jakcson, Gail Linden (Catherine O’Hara, atriz que faz a mãe de Kelvin, em “Esqueceram de mim”). Gail também é outra personagem alquebrada, sobrecarregada, viciada em drogas e bebidas, mas ainda assim servindo à comunidade, sabe-se lá como. Ela é muito franca e pessimista. Ela diz para Tommy que Abby é uma mentirosa e que há pessoas que simplesmente não possuem “salvação”. Tommy fica assutado com a franqueza. E nós também. Catherine O’Hara tem sido, a propósito, uma das maiores e boas surpresas desta temporada.